terça-feira, 13 de março de 2018

Síria: Hezbollah recolhe algumas de suas forças, por Elijah J. Magnier


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


"O novo campo anti-EUA que se vai organizando em torno de Rússia, China e Irã não teme – sequer reconhece! – a velha monarquia norte-americana." Elijah J. Magnier Blog 
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"Não participaremos da 'coalizão' liderada pelos EUA contra ISIS/EI, porque EUA são mãe e pai do terrorismo"
[Said Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, em discurso no Líbano, dia 23/10/2014,
traduzido em redecastorphoto] (Epígrafe aqui acrescentada pelos tradutores).




O Hezbollah decidiu recolher suas forças ainda estacionadas em várias províncias da Síria e manter outras (atendendo ao pedido do presidente Bashar al-Assad da Síria), em atenção à segurança do Líbano e à luta contra Israel. Contudo, esse realocamento indica uma das consequências da guerra na Síria: o Levante será dividido e assim permanecerá por muitos anos adiante. Dito de modo sucinto, significa que forças turcas e dos EUA permanecerão como forças ocupantes em território sírio.

Fontes privadas informam que o Hezbollah sairá das províncias de al-Hasaka, Deir-ezzur, Raqqah, Aleppo, Idlib, Hama e Suweida. O Hezbollah já não estava presente em Tartus, mas combateu na província Lattakia, quando Jihadistas ocuparam Kesseb e a Lattakia rural; e retirou-se de lá, ainda naquele mesmo ano.

Hezbollah manterá forças nas províncias de Damasco, Homs, Daraa e Quneitra. O objetivo é proteger o Líbano e impedir que jihadistas cruzem as fronteiras. A presença do Hezbollah nas montanhas do leste serve para proteger a capacidade estratégica de seus mísseis relacionada a uma possível guerra contra Israel. O Hezbollah construiu cidades, na fronteira entre Líbano e Síria, semelhante à que há em Israel, para treinar suas forças especiais “Ridwan”, para o caso de Israel decidir fazer guerra contra o Líbano. A intenção do Hezbollah, em qualquer guerra futura ditada por Israel, é converter-se rapidamente, de força defensiva, em força de ataque.

A guerra na Síria fez com que o Hezbollah aprendesse novas doutrinas e práticas militares, mais do que se limitar a defender cidades no sul do Líbano, como faz desde o confronto com Israel nos anos 80s. O engajamento do Hezbollah em importantes cidades sírias, desertos, montanhas e espaços abertos da Síria (e outras táticas militares usadas) deram ao Hezbollah experiência de combate extensa e preciosa, que converte o braço militar do "Partido de Deus" em importante exército "não convencional", o melhor de todo o Oriente Médio.

Nas outras províncias (Homs, Daraa e Quneitra), o Hezbollah manterá presença substancial, relacionada à luta contra Israel. O Hezbollah passa a atuar com conselheiro das forças sírias que receberam treinamento do grupo libanês. Levando adiante a experiência que o Hezbollah acumulou na Bósnia, no Iraque e na Síria, essas novas forças nacionais seguem doutrina e ideologia que lhes dará instrumentos para opor-se a qualquer agressor, nacional, daJihad ou estrangeiro, e defender a própria existência, sempre combinando recursos da guerra clássica e da guerra de guerrilhas.

Ghouta Leste



"Forças do governo sírio dividiram a área controlada pelos militantes em Ghouta Leste, em três partes, e estão avançando rapidamente sobre as partes cercadas. Os EUA reagiram ameaçando atacar tropas do governo sírio, se continuarem a avançar" (SouthFront, 12/3/2018).


O recolhimento e realocamento de forças do Hezbollah não indica o fim das consequências da guerra na Síria. A batalha em Goutha Leste tem função só momentânea, com o objetivo de impedir que se realizem as eleições presidenciais e manter a pressão e a tensão sobre a capital Damasco, principal base do governo do presidente Bashar al-Assad. Essa é a principal razão por que a mídia dominante e a comunidade internacional estão tratando os conflitos nessa área como se fossem furacão de proporções titânicas.

Ghouta está dividida em três partes [mapa acima] e pode ainda ser dividida em mais pedaços, se os Jihadistas decidirem ficar e usar os habitantes locais (civis) como escudos humanos.

Vários chefes de famílias e tribos da região de Ghouta estão em contato diário com os Jihadistas e outros militantes, para que deixem sair os civis, esforçando-se para se manterem neutros nessa guerra.

É óbvio que os Jihadistas sabem dos fatos e compreendem o sentido da campanha internacional a favor deles. E também logo perceberão que a mídia dominante não se manterá para sempre ao lado deles, sob a fachada de algum tipo de 'ação humanitária' falsa. Assim sendo, a presença de Jihadistastão próximos de Damasco, como uma adaga pendurada sobre a capital (foguetes caem diariamente nos mais diferentes pontos da cidade) muito em breve deixará de ser viável (os Jihadistas serão expulsos).

A situação em Ghouta terminará em breve com a saída negociada de todos os Jihadistas e suas famílias: nesse momento os civis – que já organizam manifestações dentro de Ghouta, cada dia menos temerosos da ação de Jiihadistas, e exigindo que o Exército Árabe Sírio assuma o controle da região – poderão decidir ficar, se quiserem.

Turquia e os que mais perderam: os curdos

As forças turcas e procuradores locais estão avançando em Afrin, enclave sírio no norte, depois de menos de dois meses de operação militar onde as bases e fortificações curdas estão caindo muito depressa.

Embora a linha de suprimento da cidade de Afrin ainda esteja ativa no sul do enclave controlado pelo Exército Árabe Sírio, a Turquia e seus representantes locais tentam cercar a cidade de Afrin e fechar a estrada do sul. O objetivo é manter considerável distância de Tel Rifaat onde está a base do Exército Árabe Sírio.

Com se recusarem a entregar o controle de Afrin ao governo de Damasco, e com o controle também os ativos financeiros e toda a artilharia pesada, os curdos estão perdendo o enclave: não só isso, como, também, sua própria política os está tornando responsáveis por perderem também grande parte do território da Síria, para a Turquia. O norte da Síria será transformado num novo Chipre, se a Turquia assim quiser. A metade anexada da ilha de Chipre permanece até hoje, décadas depois, sob controle dos turcos.

Seria ingenuidade crer que a Turquia retiraria suas forças da Síria, quando tiver alcançado seus objetivos. E não estão limitados a Afrin. Ao contrário, a Turquia tenta convencer Washington a retirar-se de Manbij e deixar que os turcos encarreguem-se da ocupação.

Informação vazada pela mídia sobre intenções dos EUA, de reduzir sua presença na base turca em Incirlik – sem qualquer referência às 50 ogivas nucleares armazenadas naquela base, como parte da ameaça que a OTAN insiste em manter contra a Rússia – indica que as relações Turquia-EUA não estão em momento dos mais amistosos.

A Rússia apreciaria ver deteriorar-se a relação EUA-Turquia, com a Turquia unindo-se ao campo anti-EUA. Está pronta a fazer concessões na Síria (basta que não se oponha aos planos de Ancara, de expandir o território turco sobre a Síria).

Damasco considera EUA e os curdos as forças que mais perigosamente ameaçam a unidade da Síria. Os curdos estão prontos a reatar relações com EUA e Israel – o que implica os curdos abandonarem, não muito inteligentemente, as questões da própria identidade nacional e a necessidade de serem parte de um país. Afinal, os curdos continuam a ser grupo étnico à procura de um estado independente.

A presença turca é vista por Damasco como ocupação de território sírio, mas como perigo ainda um degrau menor que os EUA, dada a capacidade de Washington para criar conflitos ainda maiores em todo o Oriente Médio.

Forças dos EUA na Síria:

Hezbollah está-se afastando da área de al-Tanf, fronteira com o Iraque, onde os EUA mantêm base militar e campos de treinamento conjuntamente com Reino Unido e França. Esse afastamento explica-se pela convicção de que os EUA permanecerão por muito tempo no Levante, e que a única força capaz de arrancar de lá essa ocupação é a resistência local.

Os EUA defenderão sua presença na Síria, para 'contrabalançar' a presença russa no Oriente Médio. EUA não querem ceder espaço para que a Rússia amplie sua vitória no Oriente Médio, seguindo adiante, depois de ter entrado pela porta síria. E a Rússia é reconhecidamente capaz de fazer a paz, por meios diplomáticos ou por meios militares.

Os EUA criaram uma zona de estabilidade para suas próprias forças no nordeste sírio, em áreas controladas pelos curdos, onde estão localizados 13% do petróleo e do gás sírios. É área equivalente 24% do território sírio; e a quatro vezes o tamanho do Líbano.

A presença dos EUA é fonte de grave preocupação não só para a Síria mas também para Turquia e Iraque. Áreas controladas pelos EUA incluem áreas de influência do ISIS – que Washington “protege” e mantém. A partir dessas áreas, o ISIS inicia ataques contra os exércitos sírio e iraquiano ao longo da fronteira entre o Levante e a Mesopotâmia.

Síria e seus aliados avaliam que os EUA lá ficarão, com o objetivo de manter vivo o conflito com quem os EUA elegeram como inimigo n. 1: a Rússia. É difícil confrontar diretamente os russos. Mas pode ser feito com o serviço de aliados e 'representantes' locais em campo (os curdos) – e garantindo livre movimentação aos terroristas do ISIS.

Não há qualquer sinal de que EUA e aliados no Oriente Médio (Arábia Saudita) desejem qualquer paz e estabilidade na região. Absolutamente tudo indica que os EUA lutam para tentar manter o próprio poder, sua dominação e sua influência na região; e para provar que ainda são os mais fortes.

EUA não compreendem que – por mais que seja superpotência, com alto poder de destruição, com muitos amigos e países que temem os norte-americanos – há outras forças que se vão organizando em torno de Rússia, China e Irã. E esse novo campo anti-EUA que se vai organizando em torno de Rússia, China e Irã não teme – sequer reconhece! – a velha monarquia norte-americana.

EUA gozaram de posição rara, privilegiada, desde o esfacelamento da União Soviética em 1991. Depois da guerra na Líbia e da chegada à Síria em 2015, o monstro russo afinal despertou. A posição de privilégio dos EUA já não se sustenta. A pergunta permanece: os EUA aceitarão a situação de ex-única superpotência?*****

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